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reunião de negócios

A Saga (Parte 4)

  • Foto do escritor: AMDF
    AMDF
  • 11 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 5 de jul. de 2024

por Khelly Corrêa


(...continuação)


Era mês de Setembro. No dia marcado, a sala de reuniões da SAS (Secretaria da Assistência Social) estava absolutamente lotada.


Ninguém acreditava que ele viria. Estava atrasado, mas chegou. As imagens valem mais que mil palavras. 


Paulo Silva era o presidente da AMDF-PR na ocasião, eu secretariava sua gestão. Ele presidia para contribuir, pois gostava mesmo era de consertar as cadeiras de rodas. Seria nosso mecânico no projeto da Paraoficina Móvel.


Na sala de reuniões da SAS lotada, o projeto do Condomínio da Pessoa com Deficiência foi votado e aprovado por unanimidade.


Seu Paulo cumprimentou o prefeito Ulisses, agradeceu a presença e nos encheu de esperança por crermos que ali havia um compromisso selado entre homens honrados.


Nesse dia, com todos os conselheiros presentes, o projeto do condomínio PCD’s foi votado favoravelmente, e por unanimidade. 


Que dia de vitória! Obrigada, sr. Ulisses Maia, prefeito de Maringá-PR.


E o tempo  passava, a saga do Condomínio PCD’s continuava. E seu Paulo falecia. O presidente da AMDF-PR também partira!


Mais um guerreiro das causas das pessoas com necessidades especiais "combateu o bom combate, terminou a corrida, guardou a fé (2° Timóteo 4:7-8)". E ficamos mais sós que Jó...


Somos muito gratos, querido amigo! Aqui, continuaremos as lutas que travamos com o Sistema, que deveria funcionar apenas por ser constitucional, por ser inclusivo, por ser necessário para tantas pessoas.


Tantas que nem o município sabe dizer, com exatidão, qual o número de pessoas com necessidades especiais vivem em Maringá. As vítimas de uma sociedade deficiente!


Mesmo deveras só, capengas, seguíamos com o sonho da casa própria para nós e nossos amigos. Assim como o Condomínio do Idoso (cujo número de idosos Maringá também desconhecia, a exemplo das pessoas com deficiência), o nosso projeto base, o movimento habitacional da AMDF-PR, com o passar do tempo tornava-se cada vez mais necessário. 


São pessoas especiais que agora estão morando com parentes em cidades próximas, sem opção, devido ao alto custo de vida daqui, esperando que o condomínio fique pronto para voltarem a morar na cidade que escolhemos viver.


Pensar que estamos esperando há 2 décadas por esta moradia, decente e inclusiva. Pensar que as pessoas que faleceram já haviam sido iludidas por gestões anteriores, que nada mais fizeram que um esboço de projeto e o engavetaram. 


É inacreditável a indiferença do poder público para com esta parcela da população! E quando isso veio à tona, na gestão atual, e vimos e ouvimos as palavras de um homem que havia se comprometido com uma cidade e pessoas de todas as necessidades (assista o vídeo acima).


O que pensar? Estava ali, na nossa frente, a autoridade máxima do município, afirmando a implantação do condomínio PCD's. Acreditáramos piamente.



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Seu Paulo, à direita na foto, em um encontro com o pessoal da AMDF no ginásio de esportes em Maringá.


E o tempo urgia, seu Rubens com sérios problemas de saúde e de moradia. Depender da família para a maioria de nós é a pior parte. Sentimentos de culpa por ser um peso, um fardo.


Ver nos olhos deles, todos os dias, a impotência diante da nova circunstância que traz consigo uma bagagem de sequelas e traumas. As nossas dores neurais, nossos sistema funcional em pane total e a família, sem estrutura psicológica, se abala e nos abala. 


São muitos os constrangimentos. Se acaso temos a infelicidade de bater, por acidente, com a cadeira em algum móvel, somos repreendidos para tomarmos cuidado, em uma casa sem nenhuma acessibilidade.


Há casos em que, chegando em casa, da rua, de um passeio, se apressam em acomodar a pessoa na cama ou no sofá, e sua cadeira é retirada de perto para não atrapalhar. O sentimento é constrangedor, de impotência.


Quando já somos mães e pais e são nossos filhos a tomar conta de nós, então conhecemos de verdade o sentido da frase "padecer no paraíso". Relatos de quem sofre violência doméstica, financeira, sexual. Relacionamentos abusivos. Filhos com vergonha dos pais. Deficientes com vergonha de si mesmos, que ainda não aceitaram a realidade. 


Há os que entram mudos e saem calados, para não serem percebidos, olhados. Motivo pelo qual muitos se isolam nas suas casas, num mundo, esse sim, exclusivo


À família alheia, os governantes agradecem. E pensar que alimentamos a indústria hospitalar, farmacêutica, de equipamentos hospitalares e muito mais. E nossos direitos… sem direito nenhum!


Seu Rubens, no segundo mandato do prefeito Ulisses Maia, já demonstrava descrédito em relação à palavra dada para a implantação do projeto do Condomínio PCD’s. 


E quem era eu para duvidar? Mas eu duvidava, e o convencia a acreditar também. Nesse tempo, muita gente foi abandonando o barco, e ficaram seu Rubens e Khelly. E a saga do Condomínio PCD's continuava!


Ulisses Maia  se tornara um amigo próximo e eu lhe confessava a desconfiança das pessoas na sua palavra. Pedi-lhe muitas vezes que, se não fosse possível a implantação do projeto, ele que nos dissesse.


Era melhor assim. Não ficaríamos mais oito anos aguardando, depois dos 15 antes dele. Que era injusto e até criminoso iludir as pessoas e que ele não era obrigado a nada. Entenderíamos. 


Mas, de forma alguma, em momento algum ouvi uma palavra sua negando. Muito pelo contrário! Em nossas conversas pelo WhatsApp, por email, Facebook ou Instagram, o assunto era o Condomínio PCD's e suas demandas.


Apostei tudo na honestidade que só eu via, na transparência da sua gestão. Precisávamos do poder público para políticas públicas. 


E seu Rubens sumia. Falávamos quase todos os dias, e nos últimos tempos mais ainda, porque ele andava depressivo. Éramos melhores amigos, mas ele não estava me falando algo que eu sentia que havia.


Era mês de maio. Falavamos menos, mas falávamos no condomínio e na dificuldade que era manter um aluguel caríssimo. Seu benefício era o BPC (Benefício  de Prestação Continuada). 


Nos dias que se seguiram, estive bem ocupada. Era o último ano de curso, precisava estudar. Cursava o 3° ano do ensino médio e queria muito me formar. Também já não tínhamos mais assunto. 


Ele não estava bem e eu não queria puxar mais assunto do Condomínio, que já o estava aborrecendo tanta morosidade. Aguardava que ele ligasse. 


No dia 16 de maio pela manhã ele me ligava. Era de hábitos matutinos, eu não, ainda estava na cama, mas quando atendi e ouvi a voz do filho dele, já fui lhe perguntando se estava tudo bem com seu pai, mas ele disse:


- "Não. Infelizmente ele veio a falecer hoje. O  velório será na capela municipal às 14h de hoje e o sepultamento será às 18h." 


Não sei se disse mais alguma coisa ou se eu não estava ouvindo. Fiquei atônita e por algum tempo, não sei precisar quanto, meu cérebro não registrava, boicotava.


"Como assim, vc morreu? Nem terminamos as coisas. Ainda há tanto por fazer! E os nossos filhos?'" (Me referia a ele como 'pai dos meu filhos', imagina!) 


Os pensamentos não paravam e não conseguia desligar (ou ligar!) o botão que me fazia ouvir, porque não admitia ouvir certas coisas, e tive medo. O telefone desligado, não sabia porquê. Quando liguei, não paravam  as mensagens, e ligações travavam o aparelho. 


Perdida nos meus pensares, agora chorava a realidade sem ele. Lembrei dos sinais num abraço que me dera, naquela reunião da AMDF-PR. A alma dele estava naquele abraço. Era uma despedida.


Como eu não percebi, meu amor de amigo, que se despedia? Não fui capaz, não tive a sensibilidade. Mas ele não queria ir, eu sei, eu sinto!


Ele amava viver e viver no Condomínio era mais que uma certeza, apesar das tantas vezes que ele duvidou, por falarem que esse projeto não sairia do papel, que seria engavetado, como nas outras gestões, que não passava de um  esboço, e até que o prefeito não construiria, que ele queria mesmo era "aparecer" e blábláblá. 


-"Eliara, seu tio nos deixou!", gritava eu em meu desespero, a plenos pulmões, numa revolta com quem permitia que a vida fosse tão cruel. 


Nunca soube administrar a morte e nem nunca encontrei respostas para meus porquês.


(Continua...)



"Vamos morar no Condomínio PCD's e nunca mais estaremos sós!" (Seu Rubens)

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